
Temo de morte escrever...
A lua cheia desperta-me.
Olho pela janela da torre de betão que me confina.
Não me sinto em casa, não me sinto bem mas também lá fora não me atrai. O luar entra pela janela e seduz-me o olhar, na mesa de cabeceira de vidro os papeis brilham em sua resposta.
Penso nas estrelas, no mar, no teu corpo. Fico mais calmo mas não quero voltar a dormir, o mundo dos sonhos já não me satisfaz... pelo contrário, tortura-me com o pesar que a tua falta me vai causar.
Perdido deambulo pelo chão envernizado pela tormenta e procuro um sinal de vida humano no palácio que começa a esfriar. Esta coleira de forças emocional não deixa réstias de razão, preciso de fugir! Eles vão chegar com a madrugada, sabes que sempre me quiseram destronar.
Há tipos e tipos de amar, porque teria de ficar pelo consumo máximo e irracional?
Continuo para o jardim e abro a porta, a noite sorri-me como a um lobo perdido e solitário nos seus últimos dias.
Não temo o caminho que tenho de tomar, não baixo a cabeça para hesitar, mas sem amor, fico-me apenas pelo gritar abafado pelo mundo.
E se me apaixonar entretanto e já não te conseguir esperar?
E se não me perdoares?
Fumo a solidão, calo esta voz que me atormenta dos sonhos até ao acordar.
A luz no palácio acende-se e ouço vozes! Vieram para me enterrar, para reclamarem a coroa que ousei tomar como minha.
Fujo para o bosque, espero que me possam perdoar, mas a coragem de desistir de amar não deve ser punida com essa exactidão, com esse preto e branco que me pintam. Sabes que não deixarei a morte me apanhar...
A natureza recebe-me, ela compreende-me e no seu caos intenso ela acolhe o meu pensar.
Atiro a coroa para o chão, reluz face á luz do luar e pisca-me o olho. Desapareço na imensidão, um dia volto para reinar.
Volto para te buscar.
A sala de reuniões no palacete cheirava a um incenso pesado e a café. Dirijo-me á janela, tentando fugir do incenso que me sufoca o ar.
Estás 10 minutos atrasada como de costume; aproveito o tempo para apreciar o café e despertar a mente naquele campo que se estende para lá da janela. Sei que combinamos não fazer grandes filmes na nossa reunião, mas deixas me acordado a sonhar que queres ? A preocupação não cessa com a cabeça, está no campo do sentir, do amar.
Tocas me no ombro e assusto-me.
“Pensavas em quê?” – perguntas desconfiada.
“A minha cabeça contempla sítios que não quererias visitar.” – respondo tentando não ser transparente a esse verde cansado do teu olhar.
“Tenta me um dia.” – desafias-me.
“Nem todo o tempo do mundo chegava para te deixar entrar.” – mostro-te o ressentimento de teres desparecido há anos, sem rasto do meu radar.
“No entanto cá estamos no mesmo lugar, senti saudades tuas.” – beijas me docemente no rosto.
“Que precisas?” – respondo travando o sentimento de te levar pelo mundo e esquecer tudo.
“Precisava de te ver só isso, sabes que apesar de tudo és o único capaz de me acalmar, não te chamei família durante anos só para te cravar!”
“Desta vez quem ficou lamechas foste tu.” – replico num um sorriso.
Passeamos pelo jardim, contas me as tuas novas aventuras, e sinto-me num conto de fadas, vejo que o mundo te deixou cansada mas não perdeste a chama que sempre me atraiu, a essência do teu ser num simples olhar.
Ignoro as marcas que a vida te deixou no corpo e lembro-me de quando éramos felizes, de quando partilhávamos o palácio e manchava-mos o jardim com a inocência do nosso agir.
“ Sabes que nascemos reis ?” – perguntas me antes de partir novamente.
Deixas-me envolto em pó, mais uma vez sem saber quando o vento te trás de volta e me dá esse prazer de te recordar e acompanhar.
Só hoje, 2 anos depois percebi o que querias dizer. Reis na nossa cumplicidade, unidos pela maneira de voar.
Perdidos num mundo que não nos compreende e como herança a propensão para uma loucura que combatemos a cada acto de pensar.
Que a sorte te acompanhe, porque tudo o resto ja nos falhou.
Chego ao jardim e vejo-te ao longe, rouba-me o ar esta tua visão, e tento recuperar.
Sento-me ao teu lado, naquele jardim frio e abandonado.
A chuva cai-me na cara mas sorris me com uma doçura que me aquece e aconchega. Tocas-me de leve na mão e voltas a olhar o vazio.
“Estiveste a chorar?” – pergunto-te baixinho.
“Consegues olhar-me nos olhos e dizer-me que és feliz, sem hesitar?” – replicas.
“Ninguém é feliz sempre.. “ – segredo-te bem junto do ouvido.
“Então... eu choro com a natureza” - dizes apontando para a chuva.
Desta vez olhas para mim e perco-me nesses olhos, rasgados pela dor das lágrimas que deixaste correr, o verde gasto pelo mundo que te contêm.
“Não percas a motivação, não conseguia viver sem ti sabes disso”- confesso
“ Estamos a ficar lamechas .” – dizes enquanto limpas os olhos e me abraças.
Perdido no teu calor perdi a noção do tempo e ao fim de segundos que souberam a pouco dizes me que me amas. Sei que me mentes, que nem te amas a ti mesma, que não consegues por mais que tentes.
“Sabes que o vento me leva o espírito a cada passo em falso.” – dizes me querendo voar.
“ Agarra-te a mim então, não te deixarei desaparecer! ” – tento em vão proteger-te
“Nada é infinito, e por mais que me tentes sabes que não consigo ficar sem te consumir aos poucos.” – respondes e desta vez sou eu que choro.
Limpas-me o rosto e beijas-me. Fecho os olhos na tentativa de manter este momento no meu coração.
Abro os olhos e já não estas aqui.
O vento sopra-me o doce som da tua voz num grito de “até um dia”.
Paixão consumida na brisa de um inverno que ameaçava chegar. De coração gelado bafejo no cigarro e deixo a loucura contida naquele banco de jardim.